Estava
procurando boa pornografia na internet enquanto ela, ao meu lado, lia
Dostoiévski. Estávamos em uma cama de solteiro que mal cabia um. Havíamos
transado a noite inteira. Eu estava sendo só mais um cara babaca que procurava
boa pornografia na internet. Ela não se importava. Continuava lendo e ora ou
outra buscava algumas longnecks na geladeira para nós. Eu abria as cervejas com
o meu chaveiro de abridor de garrafa e continuava procurando por boa
pornografia. Estava atrás daqueles tchecos loucos que pegavam uma câmera e
procuravam na rua por garotas que quisessem mostrar os peitos por dinheiro
então eles aumentavam a oferta e comiam essas garotas. Ficava na sessão
“outdoor”, depois das sessões “milf” e “orgy”. Nunca soube se esses vídeos eram
verdadeiros, digo, se as garotas realmente não conheciam os caras e realmente
chupavam e metiam por dinheiro. Poderia ser tudo combinado, mas eu não estava
nem aí. Eu estava mesmo era atrás de boa pornografia. Esse era o meu lance.
Ela terminou o Dostoiévski e quis
conversar. Mandei-a ler Bukowski e não me encher. Já lera todos. Boa literatura
é foda, quando você percebe já acabou e você acaba se tornando refém daquele
autor e isso se torna mais foda ainda quando esse autor já está morto, porque
você sabe que em algum momento você vai ler todas as suas obras e que quando
esse dia chegar vai ficar um vazio muito grande. Os escritores deveriam receber
um salário fixo para que vivessem só escrevendo, não sendo permitido fazer
outra coisa que não seja escrever e que tchecas gostosas alimentassem os
escritores com almoço, jantar e sexo e um banho aos sábados e então os
escritores deveriam criar milhares de obras e deixar seus leitores abastecidos
por uns duzentos anos.
“Então, vamos conversar sobre o quê?”
“Fala como anda a sua
vida”
“Quer mesmo saber como anda a minha vida?”
“Claro”
“Então lá vai: estou morando num
albergue, tenho medo de morrer assassinado enquanto durmo por algum colega de
quarto, não consigo publicar os meus contos porque as editoras me odeiam, meu
pai não me telefona há anos, minha mãe está pensando em casar de novo com outro
canalha e aquele meu texto que liberei para um grupo de teatro estreou semana
passada e recebeu a pior crítica jornalística da década”
Acho que peguei pesado demais para
uma primeira noite de papo furado. Seu nome era Simone, mas a chamavam de Cida.
Não sei o motivo e nunca cheguei a perguntar. Conheci-a numa livraria e
transamos naquele mesmo dia, no banheiro do shopping-center. Começamos a sair.
Era a primeira vez que eu ia até o apartamento dela, uma kitchenette apertada
em um bairro limpo da cidade. Um bom lugar. Simone era jornalista e se
apaixonava por tudo o que eu escrevia. Simone parecia atordoada:
“E o que falaram nessa crítica?”
“Um monte de besteira”
“Quem foi o crítico?”
“Um tal de Hélio”
“O Hélio? Do cabelo cacheado?”
“Sei lá”
“É meu amigo”
“Filho da puta”
Ficamos imaginando o que poderíamos
fazer com o Hélio. Ela não se importou com os meus outros problemas e eu também
não me importaria. Na verdade, eu realmente não me importo, apenas falei aquilo
tudo porque ela queria saber como a minha vida andava e essa era a atual forma
de andar da minha vida. Eu não quis mentir e isso era algo bom. Eu estava
começando a ter sentimentos de carinho por aquela mulher. Nenhum dos meus
problemas me importava. O que me deixava puto era a crítica daquele Hélio, que
poderia acabar com a minha carreira de escritor de uma vez por todas. Era a
primeira vez que eu escrevia para teatro e uma das primeiras vezes que alguém
se interessava pelas minhas loucuras e, honestamente, o espetáculo estava
razoável. Luz boa, interpretação razoável, sonoplastia do caralho com Júpiter
Maçã e Lobão. O que Dostoiévski e Bukowski, como escritores, fariam numa
situação dessas? Este certamente me mandaria encher a cara, fazendo com que eu
nem parasse para ouvir os conselhos daquele. Então eu busquei mais cerveja e
conferi se o vídeo das tchecas fanáticas por dinheiro já estava carregado.
Menti dizendo que iria cagar e que levaria o computador junto para escrever um
novo conto e me masturbei no banheiro daquela kitchenette enquanto assistia
pornografia. Eu seria capaz de pagar para que o Hélio chupasse o meu pau, só
para ele nunca mais criticar um texto meu. Seria uma espécie de castigo. O
filho da puta do Hélio me chupando e eu falando “seu merda, quero ver você
criticar os meus textos agora”. Pensei em como aqueles pensamentos eram apenas
mais um monte de besteira, lavei o pau na pia e voltei para a cama de Simone.
As longnecks vazias formavam uma fila na parede e nós transamos ouvindo uma
banda inglesa que agora me foge o nome. Mas eu ainda pensava nas garotas
tchecas.