sexta-feira, 8 de março de 2013

OUVINDO UM LP DO CHICO BUARQUE E PENSANDO NELA


Eu pensei nela antes de dormir. Ouvi alguém quebrar um copo na rua e continuei pensando nela. A vida corria tão depressa. Escovei os dentes, li Kafka e dormi. Tudo pensando nela. Acordei lendo uma mensagem no visor do celular.
“Me ligou?”
Havia ligado para ouvir a voz dela, mas não a esperei atender. Menti:
“Foi sem querer”
Eu pensava nela, mas ela não pensava em mim. Ela sabia que eu pensava nela e mesmo assim ela não pensava em mim. Comprei a filmografia do Almodóvar, que ela tanto adorava. Não tive coragem de convidá-la para assistir, então assisti sozinho. Ela não sabia disso. Eu pensava no quão idiota era por não conseguir esquecê-la. E quanto mais ela me ignorava e não se importava mais e mais eu não conseguia esquecê-la e isso só o mostrava o quão idiota eu era. E eu definitivamente me considerava muito idiota por ter comprado a filmografia do Almodóvar. Levantei e fui cozinhar.
Tudo me fazia pensar nela. O arroz me fazia pensar nela. O alho picado fritando no canto da frigideira me fazia pensar nela. Abri uma garrafa de vinho – que me fazia pensar nela – enquanto as panelas estavam no fogão. Coloquei um LP do Chico Buarque na vitrola. Quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem. Bebia o vinho e pensava nela. Olhei pela janela e vi do outro lado da rua um vira-lata chafurdando o lixo. Isso não me fazia pensar nela, mas ao pensar nisso acabei pensando nela. Que merda que era não conseguir esquecê-la. Pensei em ligar para uma ex-namorada para ver se conseguia tirá-la da cabeça, mas não lembrei o número do telefone. Almocei. Quantos imbecis no planeta almoçam bebendo vinho, ouvindo Chico Buarque e pensando em uma mulher? Olhos nos olhos, quero ver o que você faz. Ao sentir que sem você eu passo bem demais. Bebi mais vinho e peguei um cigarro. Bati as cinzas e fui para frente do espelho. Em cinco anos de vício foi a primeira vez que vi o quão feio era esse imagem. A ponta do cigarro brilhando em brasa e a fumaça invadindo o corpo. Que imagem feia. Larguei o cigarro. Ela também não fumava. Jurei que o motivo de ter largado era a imagem no espelho. Quantos imbecis no planeta param de fumar? Talvez eu fosse só mais um idiota que pensava em largar o vício e que assistia aos filmes do Almodóvar. Escrevi uma mensagem no celular para ela:
“Ele pensou nela antes de dormir. Ouviu alguém quebrar um copo na rua e continuou pensando nela. A vida corria tão depressa. Escovou os dentes, leu Kafka e dormiu. Tudo pensando nela”
Enviei. Em menos de cinco minutos chegava a resposta:
“Que bonito, é seu?”
“Sim. É o começo de um conto que estou escrevendo. Pretendo lançar em livro”
“E eu vou ser a primeira a comprá-lo”
Sorri. Corri para lavar a louça. Fiz isso pensando nela. Quando talvez precisar de mim, cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim. Continuei ouvindo Chico Buarque enquanto lavava a louça. Pensava se hoje seria “Tudo Sobre Minha Mãe” ou “Volver”. Pensava em acender o próximo cigarro. Pensava na vida. Pensava nela.