Eu pensei nela antes de dormir. Ouvi
alguém quebrar um copo na rua e continuei pensando nela. A vida corria tão
depressa. Escovei os dentes, li Kafka e dormi. Tudo pensando nela. Acordei
lendo uma mensagem no visor do celular.
“Me ligou?”
Havia ligado para
ouvir a voz dela, mas não a esperei atender. Menti:
“Foi sem querer”
Eu pensava nela,
mas ela não pensava em mim. Ela sabia que eu pensava nela e mesmo assim ela não
pensava em mim. Comprei a filmografia do Almodóvar, que ela tanto adorava. Não
tive coragem de convidá-la para assistir, então assisti sozinho. Ela não sabia
disso. Eu pensava no quão idiota era por não conseguir esquecê-la. E quanto
mais ela me ignorava e não se importava mais e mais eu não conseguia esquecê-la
e isso só o mostrava o quão idiota eu era. E eu definitivamente me considerava
muito idiota por ter comprado a filmografia do Almodóvar. Levantei e fui
cozinhar.
Tudo me fazia
pensar nela. O arroz me fazia pensar nela. O alho picado fritando no canto da
frigideira me fazia pensar nela. Abri uma garrafa de vinho – que me fazia
pensar nela – enquanto as panelas estavam no fogão. Coloquei um LP do Chico
Buarque na vitrola. Quando
você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem. Bebia o vinho e pensava nela. Olhei
pela janela e vi do outro lado da rua um vira-lata chafurdando o lixo. Isso não
me fazia pensar nela, mas ao pensar nisso acabei pensando nela. Que merda que
era não conseguir esquecê-la. Pensei em ligar para uma ex-namorada para ver se
conseguia tirá-la da cabeça, mas não lembrei o número do telefone. Almocei.
Quantos imbecis no planeta almoçam bebendo vinho, ouvindo Chico Buarque e
pensando em uma mulher? Olhos
nos olhos, quero ver o que você faz. Ao sentir que sem você eu passo bem
demais. Bebi mais vinho e
peguei um cigarro. Bati as cinzas e fui para frente do espelho. Em cinco anos
de vício foi a primeira vez que vi o quão feio era esse imagem. A ponta do
cigarro brilhando em brasa e a fumaça invadindo o corpo. Que imagem feia.
Larguei o cigarro. Ela também não fumava. Jurei que o motivo de ter largado era
a imagem no espelho. Quantos imbecis no planeta param de fumar? Talvez eu fosse
só mais um idiota que pensava em largar o vício e que assistia aos filmes do
Almodóvar. Escrevi uma mensagem no celular para ela:
“Ele pensou nela
antes de dormir. Ouviu alguém quebrar um copo na rua e continuou pensando nela.
A vida corria tão depressa. Escovou os dentes, leu Kafka e dormiu. Tudo
pensando nela”
Enviei. Em menos
de cinco minutos chegava a resposta:
“Que bonito, é
seu?”
“Sim. É o começo
de um conto que estou escrevendo. Pretendo lançar em livro”
“E eu vou ser a
primeira a comprá-lo”
Sorri. Corri para
lavar a louça. Fiz isso pensando nela. Quando
talvez precisar de mim, cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim. Continuei ouvindo Chico Buarque
enquanto lavava a louça. Pensava se hoje seria “Tudo Sobre Minha Mãe” ou
“Volver”. Pensava em acender o próximo cigarro. Pensava na vida. Pensava nela.