sexta-feira, 22 de março de 2013

É COMO DIZ NA BANDEIRA NACIONAL


Matei uma barata enquanto assistia televisão sábado à noite. Ela tentou escapar, mas eu nunca as deixo sobreviverem. Eu estava rodeado pela morte. Tudo que cruzava o meu caminho morria e eu continuava vivo. Nunca quis que fosse assim. É como diz na bandeira nacional: ordem e progresso. Comigo estava tudo em ordem e eu seguia progredindo. Às vezes eu pegava uma gripe ou algo mais grave e ficava alguns dias trancado dentro de casa esperando. Na maior parte do tempo eu seguia progredindo. Mas progredindo para onde? O ser humano é tão estranho: você está lá zapeando a televisão num sábado à noite ao invés de estar com amigos bebendo uma cerveja no bar e de repente se interessa por um programa que fala da vida na Austrália, sendo que você está do outro lado do planeta com a vida acontecendo ao seu lado sem que você dê importância para esse fato. Outro dia eu pensei em cancelar esses canais, mas eu me divirto tanto com esses programas! Tem também aqueles de outros países como Itália, França e Japão que me mostram o quão idiota o ser humano é e de como a posição geográfica não modifica isso.
Eu estava com caganeira, então corri para o banheiro. Não saia de casa desde quinta, que foi quando o céu começou a ficar nublado. Eu não queria ser surpreendido pela chuva e nem precisar olhar para a cara de bunda de outras pessoas e entrar em papos do tipo “vai chover?”. Eu já estava cansado de tudo. Mas eu continuava vivo. Estava naquela fase de achar a vida uma grande merda. As pessoas odiavam conversar comigo porque eu parecia com aqueles velhos chatos que só reclamam da aposentadoria e de como não se fazem mais as coisas como antigamente. A vida é uma grande merda. Você levanta de manhã, abre a geladeira, bebe uma cerveja, fuma um cigarro e se dá conta de que a vida é uma grande merda. Era a fase em que eu me encontrava.
Enquanto cagava, pensava em tudo o que eu poderia ter feito de útil na minha vida e não fiz. Comecei a chorar. É só mais um daqueles momentos em que você começa a chorar. Você não tem motivo, mas começa a chorar. Às vezes não é necessário um motivo, você tem um acesso de nostalgia ao lembrar que já chorou assim e pronto, começa a chorar descontroladamente. Você pensa que o ser humano chora porque é arrogante, medroso, fraco e fodido, então você se dá conta de que é ser humano e que você é arrogante, medroso, fraco e fodido. Esse é só mais um daqueles momentos. Matei outra barata, limpei a bunda e voltei para a sala pensando na grande merda que era a vida.
O telefone não tocava e nunca iria tocar. Ninguém se importava em me tirar daquela situação. Estão certos. Eu faria o mesmo. Eu não iria morrer tão cedo. A minha vida seguia decepcionante. Queria fumar um cigarro e mandar o mundo para o inferno. Eu seguia vivendo. Apesar de tudo, era bom estar vivo. Sabe, eu realmente estava vivendo. Eu estava progredindo. É como diz na bandeira nacional.