sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

DEVE ESTAR SENDO DO CARALHO O CARNAVAL EM EMBUGUAÇU


Eu ia passar o carnaval numa chácara em Embuguaçu com alguns amigos mas desisti no último minuto e fiquei em casa e eles sofreram um acidente de carro antes de chegar e isso estragou toda a viagem. Agora está tudo bem com eles. Fabíola chegou domingo querendo encher a cara e brigar comigo por estar trancado em casa em pleno domingo de carnaval.
“Porra, Gregório. É carnaval. Sai dessa casa um pouco. Vai respirar um ar, aproveitar o feriado”
Eu não queria sair. Estava ótimo em casa, longe de estrada e de acidente. Eu estava aproveitando. A geladeira estava abastecida de cerveja e na televisão era possível conferir as escolas de samba desfilando com seus carros alegóricos gigantescos e suas rainhas de bateria mulatas e animadas. Eu comecei a assistir desfile de carnaval depois de começar a morar sozinho. Achava irônico os sambas-enredos falarem de países da Ásia ou de tradições europeias. Porra, a gente estava ou não no Brasil, o país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza?
“Você já reparou que os sambas-enredos falam de países da Ásia ou de tradições europeias?”
“Eu não quero saber, Gregório. Quero que você saia de casa um pouco”
“Não posso”
“E por quê?”
“Estou escrevendo um novo livro”
“Você está sempre escrevendo novos livros, Gregório”
“Claro, ainda não é possível escrever os velhos”
“Digo, você sempre está nessa paranoia de escrever e escrever. Você precisa viver um pouco também. Há vida lá fora. Ar, pessoas, movimento”
Eu havia escapado de um acidente de carro. Eu estava vivendo para caralho. Respirava e sentia o ar invadindo os meus pulmões e achava essa sensação boa demais. Eu lia jornal, caminhava para comprar comida e bebida e às vezes curtia um ou dois dias em algum lugar bem longe. Na maior parte do tempo, ficava em casa tentando escrever e assistindo filme dublado, mas eu não me sentia desperdiçando parte da minha vida. Eu quase me envolvi num acidente de carro, então aquilo era algum sinal divino, algo como “fica em casa mesmo, meu filho, logo eu te abençoo com um best-seller”. Eu não acreditava nessas coisas divinas, mas nunca se sabe.
“Eu passei por uma experiência de quase morte, Fabíola. Agora só quero ficar um pouco em casa descansando e tentando trabalhar”
“Passou nada, você nem estava no carro”
“Mas poderia estar”
A Unidos da Tijuca entrou na Marquês de Sapucaí e toda a torcida se ouriçou, inclusive eu e Fabíola nos ouriçamos, afinal, era a Unidos da Tijuca e todos nós esperávamos para ver qual seria a novidade da comissão de frente daquele ano. Com isso, Fabíola sossegou, pegou cerveja na geladeira para nós dois e começou a fumar um cigarro. Estalei a latinha e torci pela Tijuca.
“Você devia ter ido para Embuguaçu. Passar por um acidente te daria repertório, você poderia escrever um conto ou uma poesia ou até mesmo um livro. É disso que eu estou falando, você precisa viver um pouco, não dá para ficar trancado em casa a vida toda”
“Deve estar sendo do caralho o carnaval em Embuguaçu”
“Mário Bortolotto?”
“O quê?”
“Esse texto é dele, não é?”
“Deve estar sendo do caralho o carnaval em Embuguaçu?”
“É”
“Não. Eu acabei de inventar essa frase”
“Tá”
Então a gente continuou bebendo cerveja e assistindo ao desfile da Unidos da Tijuca. Aplaudíamos as alegorias como quem aplaude em cena aberta um espetáculo do Zé Celso. Que merda, eles não podiam ouvir os nossos aplausos lá da Marquês de Sapucaí, mas a gente aplaudia mesmo assim. Eu me senti um pouco bobo por fazer isso, mas já estava bêbado o suficiente para me importar.
O telefone tocou. Era de Embuguaçu. Meus amigos perguntaram se eu estava assistindo a Unidos da Tijuca. Estavam todos bem, exceto o Douglas que ainda sentia dor no peito por causa do impacto do cinto de segurança. Desejei bom carnaval e desliguei o telefone. Fabíola caiu de sono no sofá e o desfile da Tijuca chegava ao fim. Que espetáculo. Estava pegando mais uma latinha de cerveja quando ouvi Fabiola resmungar:
“Gregório”
“Fala”
“Bonifácio”
“O quê?”
“Deve ser do caralho o carnaval em Bonifácio. É o nome do texto do Bortolotto”
“Tá”
“Eu sabia que era dele”
Que me perdoe Mário Bortolotto, mas é o carnaval em Embuguaçu que deve estar sendo do caralho. Brindei aos meus amigos sobreviventes, peguei um bloco de notas, caneta e comecei a rascunhar: Eu ia passar o carnaval numa chácara em Embuguaçu com alguns amigos mas desisti no último minuto e fiquei em casa e eles sofreram um acidente de carro antes de chegar e isso estragou toda a viagem. Agora está tudo bem com eles. Fabíola chegou domingo querendo encher a cara e brigar comigo por estar trancado em casa em pleno domingo de carnaval.
Eu estava ou não estava vivendo?