Noite agradável no centro de São Paulo. Muita gente
aglomerada e tudo acontecendo junto e ao mesmo tempo. Estava no meio de um show
de jazz na Virada Cultural de São Paulo com um casal de amigos. O relógio
marcava uma hora da manhã. Não me importava com o horário. Eu era foda. Eu era
Gregório.
"Gregório, trouxe?"
"Trouxe"
"Ok"
O contrabaixo ditava a nossa pulsação. O
saxofonista então começou um solo que fez a gente enlouquecer. O céu estava
nublado, mas não parecia que viria chuva. Clima agradável. Nem frio nem calor. Tudo
certo. Tudo ok. Eu estava no meio de um show de jazz na Virada Cultural de São
Paulo. Eu era foda. Eu era Gregório.
O tempo passou. Não sabia mais se estava no meio de
um show de jazz na Virada Cultural de São Paulo. Eu estava sendo carregado. Eu
continuava sendo Gregório, disso eu tinha certeza. Pensei: “me tirem daqui, só
isso que quero”. Eles estavam me tirando de lá, como se lessem meus pensamentos.
Provavelmente eu falei em voz alta. Todo o trajeto me pareceu uma longa trilha
ousada e perigosa. Nós já não estávamos no meio de um show de jazz. Ouvi sons
estranhos dentro da minha cabeça. Não eram contrabaixos e nem saxofones. Entramos
em uma padaria para comer. Eu precisava comer. Comecei a associar as coisas. Talvez.
Acho que estava consciente. Acho que o relógio marcava uma hora da manhã ainda.
Eu estava com sede. Eu sabia que estava na Virada Cultural de São Paulo. Quis
falar algo, mas faltou coragem. O atendente me olhou como se xingasse
mentalmente toda a minha família e toda a minha futura família e toda a família
que eu nunca terei. Quis falar com ele, mas faltou coragem. Deram-me um misto
quente. Dei uma mordida e quis agradecer, mas não consegui. Talvez tenha
faltado coragem.
“Você 'tá melhor?”
Pensei lá na minha cabeça: “porra, estamos perdendo
o maior show de todos!”. O quão fodido eu parecia estar? Não respondi se estava
melhor ou não. Faltou coragem.
“Bebe essa água, é a melhor água do mundo”
Meu amigo estendeu o braço e me passou uma garrafa
de água mineral. Desdenhei. Pensei lá na minha cabeça mais uma vez: "como
essa pode ser a melhor água do mundo?". Se existisse uma melhor água do
mundo, certamente não estaria naquela padaria. Dei um gole. Então algo
realmente surpreendente aconteceu: eu já não estava numa padaria perto de um
show de jazz na Virada Cultural de São Paulo. Eu estava no meio de uma imensa
queda d’água, num lugar totalmente desconhecido, um céu azul, montanhas ao
fundo e eu com os braços abertos e a boca aberta e o coração aberto para toda
aquela água que caía bem em cima de mim e a água correndo pelo meu corpo e
massageando meus músculos e o meu estado de relaxamento sendo tão grande, mas
tão grande, que eu poderia até gritar - afinal, estava sozinho e relaxado o
suficiente e o grito provavelmente ecoaria e a água bateria no chão e o barulho
me acalmaria e eu teria certeza de que toda aquela sensação seria eterna. UAU!
De volta à padaria, o gole descia pela garganta. Sorri.
Quebrei o meu próprio silêncio e concordei:
“Melhor água do mundo”
Foi o meu maior ato de coragem.