Estava foda viver. Eu tinha acabado de ser
despejado e não tinha para onde ir. Um casal de amigos me ofereceu a casa deles
por um tempo, até as coisas voltarem ao normal. Aceitei. Sentia vergonha. Sou
ser humano, é normal sentir vergonha. Sou menos homem por isso? Fiquei
num quarto minúsculo, com todos os meus pertences empacotados num canto.
Tudo o que eu consegui juntar na vida estava naquele quarto. Estava foda viver e por isso
eu pensava em suicídio. Todo mundo vai morrer um dia. Talvez aquele fosse o meu
momento. Que fodidos que somos, não é mesmo? A gente perde tempo com tanta
coisa. Eu sempre perdi o meu com cigarros. Eu precisava de alguma outra coisa. Cigarro
desgraça a vida. Eu estava sem casa. Todos tinham uma casa. Até os ratos
possuíam casa. Eu estava me sentindo tão pequeno quanto o meu novo quarto. Todo
mundo já pensou em morrer. Eu pensava nisso a todo momento. Sempre ficava
deprimido demais para me matar, mas agora era sério. Eu costumava acordar aos
domingos para fazer um sanduíche de mortadela e ligar para alguma prostituta.
Pedia para trazer cinco garrafas de bohemia, um marlboro vermelho e aquela
revista que eu odiava. Elas sempre traziam e enquanto fodia pensava que todo
mundo iria morrer um dia. Agora eu não tinha mais bohemia, prostituta e nem casa.
Mas continuava pensando que todo mundo morreria um dia. Morrer era a melhor
opção.
Comecei a ouvir uma banda de Cuiabá que eu gostava e
fui para a janela fumar. Fazia uma semana que eu finalmente conseguia parar de fumar,
mas estava muito foda viver. Tem dias que
a vida é um ato de coragem. Esse Hélio Flanders entendia a minha dor. Minha
mãe me ligou. Eu não contei o que estava acontecendo. Não queria que ela se
preocupasse. Eu nunca quis que ela se preocupasse. Deve ser por isso que saí de
casa aos quinze anos. Na escola eu chorava e implorava para a coordenadora não
contar para a minha mãe que eu havia feito alguma merda. Não me importava em
cair e bater a cabeça e sangrar, desde que a minha mãe não soubesse. Agi
naturalmente ao telefone. Ela nem percebeu. A gente se despediu como se tudo
estivesse bem. Não estava. O cigarro me relaxava. Ainda estava foda viver.
Uma mulher se escorou na janela da casa vizinha.
Não consegui ver seu rosto. Encarei-a e acho que ela fez o mesmo. Ela não fazia
ideia de como estava a minha vida. Ela não fazia ideia de como era foda viver.
Grande merda! Eu também não fazia ideia de como estava a vida dela. Talvez
estivesse pior. Talvez estivesse foda para ela também. Chovia fraco. Eu não
tinha mais casa. Eu só tinha um cigarro, a poesia daquelas músicas que me embalavam nos momentos depressivos e aquela mulher na janela. Pensei em
acenar, mas achei estúpido demais. Pensei em chorar. Era muito idiota fumar
aquele cigarro e olhar para aquela mulher na janela. Tão desconhecida, tão
aprisionada em seu próprio mundo, assim como eu estava aprisionado ao meu. Estávamos
próximos, mas distantes. Caio Fernando Abreu com certeza escreveria algo muito
interessante sobre isso. Eu não leria, sem dúvida. Será que a mulher da janela
gostava de Caio Fernando Abreu? E arde
mais que brasa em pele quente você olhando pra mim.
Eu queria morrer. Tive medo. A chuva ficou mais
forte. Eu não tinha coragem. Eu não conseguiria morrer. De novo. Eu sempre fui
muito medroso. Eu penso demais e isso sempre me coloca acima das emoções. A mulher ainda estava lá. Parada. O que estaria pensando? Comecei a me sentir desconfortável com a sua presença. Pensei
na minha mãe e nos meus amigos. Estava foda viver mas concluí que valia a pena.
Sou mais homem por isso? Fumei o último cigarro e fui dormir com a
certeza de que aquela mulher ainda estava na janela.