sexta-feira, 3 de maio de 2013

AQUELA MULHER


Estava foda viver. Eu tinha acabado de ser despejado e não tinha para onde ir. Um casal de amigos me ofereceu a casa deles por um tempo, até as coisas voltarem ao normal. Aceitei. Sentia vergonha. Sou ser humano, é normal sentir vergonha. Sou menos homem por isso? Fiquei num quarto minúsculo, com todos os meus pertences empacotados num canto. Tudo o que eu consegui juntar na vida estava naquele quarto. Estava foda viver e por isso eu pensava em suicídio. Todo mundo vai morrer um dia. Talvez aquele fosse o meu momento. Que fodidos que somos, não é mesmo? A gente perde tempo com tanta coisa. Eu sempre perdi o meu com cigarros. Eu precisava de alguma outra coisa. Cigarro desgraça a vida. Eu estava sem casa. Todos tinham uma casa. Até os ratos possuíam casa. Eu estava me sentindo tão pequeno quanto o meu novo quarto. Todo mundo já pensou em morrer. Eu pensava nisso a todo momento. Sempre ficava deprimido demais para me matar, mas agora era sério. Eu costumava acordar aos domingos para fazer um sanduíche de mortadela e ligar para alguma prostituta. Pedia para trazer cinco garrafas de bohemia, um marlboro vermelho e aquela revista que eu odiava. Elas sempre traziam e enquanto fodia pensava que todo mundo iria morrer um dia. Agora eu não tinha mais bohemia, prostituta e nem casa. Mas continuava pensando que todo mundo morreria um dia. Morrer era a melhor opção.
Comecei a ouvir uma banda de Cuiabá que eu gostava e fui para a janela fumar. Fazia uma semana que eu finalmente conseguia parar de fumar, mas estava muito foda viver. Tem dias que a vida é um ato de coragem. Esse Hélio Flanders entendia a minha dor. Minha mãe me ligou. Eu não contei o que estava acontecendo. Não queria que ela se preocupasse. Eu nunca quis que ela se preocupasse. Deve ser por isso que saí de casa aos quinze anos. Na escola eu chorava e implorava para a coordenadora não contar para a minha mãe que eu havia feito alguma merda. Não me importava em cair e bater a cabeça e sangrar, desde que a minha mãe não soubesse. Agi naturalmente ao telefone. Ela nem percebeu. A gente se despediu como se tudo estivesse bem. Não estava. O cigarro me relaxava. Ainda estava foda viver.
Uma mulher se escorou na janela da casa vizinha. Não consegui ver seu rosto. Encarei-a e acho que ela fez o mesmo. Ela não fazia ideia de como estava a minha vida. Ela não fazia ideia de como era foda viver. Grande merda! Eu também não fazia ideia de como estava a vida dela. Talvez estivesse pior. Talvez estivesse foda para ela também. Chovia fraco. Eu não tinha mais casa. Eu só tinha um cigarro, a poesia daquelas músicas que me embalavam nos  momentos depressivos e aquela mulher na janela. Pensei em acenar, mas achei estúpido demais. Pensei em chorar. Era muito idiota fumar aquele cigarro e olhar para aquela mulher na janela. Tão desconhecida, tão aprisionada em seu próprio mundo, assim como eu estava aprisionado ao meu. Estávamos próximos, mas distantes. Caio Fernando Abreu com certeza escreveria algo muito interessante sobre isso. Eu não leria, sem dúvida. Será que a mulher da janela gostava de Caio Fernando Abreu? E arde mais que brasa em pele quente você olhando pra mim.
Eu queria morrer. Tive medo. A chuva ficou mais forte. Eu não tinha coragem. Eu não conseguiria morrer. De novo. Eu sempre fui muito medroso. Eu penso demais e isso sempre me coloca acima das emoções. A mulher ainda estava lá. Parada. O que estaria pensando? Comecei a me sentir desconfortável com a sua presença. Pensei na minha mãe e nos meus amigos. Estava foda viver mas concluí que valia a pena. Sou mais homem por isso? Fumei o último cigarro e fui dormir com a certeza de que aquela mulher ainda estava na janela.