Terminal de ônibus me
deprime. Todas aquelas pessoas querendo voltar para suas casas e conseguindo e
você lá esperando. Esperar me deprime. Pessoas me deprimem. E cada uma dessas
pessoas com suas histórias e frenéticas e apressadas. Aquela luz branca que te
deprime e aquele chão extremamente limpo porque em uma placa diz que é proibido
fumar. Pensei em acender um cigarro e ver a reação dos outros. Talvez mudasse o
ambiente, tiraria aquele clima de enterro que havia se instalado. Desisti da
ideia. Estava deprimido demais para fumar um cigarro e para desrespeitar a lei.
Eu realmente estava deprimido para caralho. Meu ônibus não chegava. Reparei num
rapaz gordo que lia um livro que não consegui identificar. Pelo menos ele
estava se distraindo. A minha única distração era o chão limpo. Tanta coisa boa
acontecendo no mundo e tanta coisa boa para pensar e eu lá sem fazer nada de
bom e sem pensar em nada que prestasse. Deprimente. Vi um conhecido que subiu
tão rápido no ônibus que não tive certeza se era mesmo um conhecido. Ver todos
entrando em seus ônibus me deprimia. Talvez eu devesse me acostumar com a ideia
de ficar no terminal de ônibus para sempre. E quando alguém me perguntasse qual
era o ônibus que iria para o morro eu responderia e indicaria a sua hora exata de
saída. Meu ônibus não chegava e minha vontade de fumar aumentava. Pessoas se
suicidam por muito menos. Se eu me jogasse na frente de um ônibus não faria
tanta diferença. Talvez o rapaz gordo largasse a merda do livro e me desse um
pouco de atenção. Talvez alguém ficasse nervoso e fumasse um cigarro. Talvez o
meu ônibus chegasse e eu lá jogado e estirado e sangrando. Em pensar que eu
estava pagando por isso. O rapaz gordo guardou o livro quando o nosso ônibus
chegou. Que alívio! Mas, por razões desconhecidas, a minha depressão voltou.
Não quis ir embora. Talvez fosse melhor permanecer no terminal. Eu estava
saindo de um pequeno mundo repleto de possibilidades para voltar para casa, um
pequeno mundo já explorado e esgotado. E na geladeira eu só tinha uma caixa de
leite, uma margarina barata e uma panela com feijão estragado. O quão
deprimente isso é?
sexta-feira, 31 de maio de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
FODENDO COM SARA
Trepando com uma e pensando na outra. Sexo é
ritualístico. Fechamos os olhos e procuramos ter prazer com aquilo que
imaginamos. Eu imaginava outra. Eu pensava em outra. Era inevitável. Depois de
dar uma bem dada, deitamos lado a lado, com o ventilador de teto no máximo da
velocidade. Ela falava de Maiakovski. Menos literatura, mais putaria, por
favor. Essa sempre foi a minha máxima. Eu era cheio de conceitos.
“Você é uma delícia, sabia?”
“Sabia”
“Qual é o seu nome mesmo?”
“Sara”
Então acendi um cigarro. Provavelmente algo que Maiakovski faria. Sara reclamou. Pediu para que eu parasse de fumar. Talvez segunda-feira. Há três meses que tento parar de fumar na segunda-feira. Ainda era quinta. Ela então beijou meu pescoço, passou a mão no meu mamilo e perguntou manhosa:
“Vamos meter de novo?”
Olhei para o meu pau, cansado, quase esbaforido. Eu estava bêbado para caralho e estava há dois dias sem dormir.
“Podemos esperar um pouco? Vinte minutos”
“Está bem”
Senti Sara decepcionada. Mais decepção, menos Maiakvoski. Nada contra. Em geral, gostava dos russos. Dostoievski, Gogol, Tolstoi, Gorki e tantos outros que me deixavam de pau duro. Mas não estávamos em um momento de reflexão. Provavelmente algo que Maiakovski faria, esse lance de parar e refletir. Ou ele meteria um tiro na própria cabeça.
Então Sara trouxe cerveja gelada para nós dois. Eu ainda olhava para o meu pau. Pensei na outra e imaginei o que ela deveria estar fazendo. Talvez ouvindo aquelas bandas nacionais que só ela ouvia. Ou então estava se depilando enquanto o marido fazia as malas para viajar. E o marido nem desconfiava que a mulher saia com um escritor pouco sucedido. O escritor era eu. Ou sou eu. Não soube como conjugar, então, na dúvida, vai das duas formas. O importante é o entendimento - e olha, até eu custei a entender o que a fez querer trepar comigo.
Eu e Sara voltamos ao sexo. Continuei pensando na outra. Imaginava apertar a sua bunda, bater em sua cara e sentir a sua respiração. Eu realmente não estava em sintonia com Sara, mas fazia o meu papel. Sara era realmente uma delícia. E a filha da puta sabia disso.
"Tá gostando?"
"Tô"
Pergunta idiota. Ela não responderia o contrário. Enquanto isso, do outro lado da cidade, o marido já se despedia da esposa. Ele ficaria duas semanas fora. Viagem a negócios. Casa livre para Gregório. Eu conhecia cada canto daquele outro quarto. A parede laranja com um quadro do Pulp Fiction. A televisão sobre a estante pequena, sempre passando algum filme. Chaplin era o preferido. A janela de vidro que me fazia lembrar das histórias que ouvia quando criança. A cama arrumada.
Continuava fodendo com Sara. Fui cansando. Tentava pensar na outra, para animar a trepada, mas eu realmente fui cansando. Então desistimos. Sara chateada - e até mesmo preocupada comigo. Olhava como quem quisesse dizer "meu bem, calma, isso acontece com todos os caras, esse lance de brochar é normal". Eu não estava nem aí. Acho que ela percebeu e ficou ainda mais aborrecida. O que eu poderia fazer? Ela ainda tentou me pagar um boquete, mas realmente não estava em condições.
"Desculpa, hoje não vai dar mesmo. Você pode até não aceitar, mas eu tô morto de cansaço, sa'como'é?"
"Relaxa, Gregório. Não aceito, mas tem uma frase que diz que amar não é aceitar tudo, e que onde tudo é aceito é porque há falta de amor"
"De quem?"
"Maiakovski"
"Tenho uma outra ótima: coma muito cu e tenha orgasmos múltiplos "
"É sua?"
"Não. Provavelmente é Maiakovski também. Algo que ele falaria bebendo vodka com os bolcheviques"
“Você é uma delícia, sabia?”
“Sabia”
“Qual é o seu nome mesmo?”
“Sara”
Então acendi um cigarro. Provavelmente algo que Maiakovski faria. Sara reclamou. Pediu para que eu parasse de fumar. Talvez segunda-feira. Há três meses que tento parar de fumar na segunda-feira. Ainda era quinta. Ela então beijou meu pescoço, passou a mão no meu mamilo e perguntou manhosa:
“Vamos meter de novo?”
Olhei para o meu pau, cansado, quase esbaforido. Eu estava bêbado para caralho e estava há dois dias sem dormir.
“Podemos esperar um pouco? Vinte minutos”
“Está bem”
Senti Sara decepcionada. Mais decepção, menos Maiakvoski. Nada contra. Em geral, gostava dos russos. Dostoievski, Gogol, Tolstoi, Gorki e tantos outros que me deixavam de pau duro. Mas não estávamos em um momento de reflexão. Provavelmente algo que Maiakovski faria, esse lance de parar e refletir. Ou ele meteria um tiro na própria cabeça.
Então Sara trouxe cerveja gelada para nós dois. Eu ainda olhava para o meu pau. Pensei na outra e imaginei o que ela deveria estar fazendo. Talvez ouvindo aquelas bandas nacionais que só ela ouvia. Ou então estava se depilando enquanto o marido fazia as malas para viajar. E o marido nem desconfiava que a mulher saia com um escritor pouco sucedido. O escritor era eu. Ou sou eu. Não soube como conjugar, então, na dúvida, vai das duas formas. O importante é o entendimento - e olha, até eu custei a entender o que a fez querer trepar comigo.
Eu e Sara voltamos ao sexo. Continuei pensando na outra. Imaginava apertar a sua bunda, bater em sua cara e sentir a sua respiração. Eu realmente não estava em sintonia com Sara, mas fazia o meu papel. Sara era realmente uma delícia. E a filha da puta sabia disso.
"Tá gostando?"
"Tô"
Pergunta idiota. Ela não responderia o contrário. Enquanto isso, do outro lado da cidade, o marido já se despedia da esposa. Ele ficaria duas semanas fora. Viagem a negócios. Casa livre para Gregório. Eu conhecia cada canto daquele outro quarto. A parede laranja com um quadro do Pulp Fiction. A televisão sobre a estante pequena, sempre passando algum filme. Chaplin era o preferido. A janela de vidro que me fazia lembrar das histórias que ouvia quando criança. A cama arrumada.
Continuava fodendo com Sara. Fui cansando. Tentava pensar na outra, para animar a trepada, mas eu realmente fui cansando. Então desistimos. Sara chateada - e até mesmo preocupada comigo. Olhava como quem quisesse dizer "meu bem, calma, isso acontece com todos os caras, esse lance de brochar é normal". Eu não estava nem aí. Acho que ela percebeu e ficou ainda mais aborrecida. O que eu poderia fazer? Ela ainda tentou me pagar um boquete, mas realmente não estava em condições.
"Desculpa, hoje não vai dar mesmo. Você pode até não aceitar, mas eu tô morto de cansaço, sa'como'é?"
"Relaxa, Gregório. Não aceito, mas tem uma frase que diz que amar não é aceitar tudo, e que onde tudo é aceito é porque há falta de amor"
"De quem?"
"Maiakovski"
"Tenho uma outra ótima: coma muito cu e tenha orgasmos múltiplos "
"É sua?"
"Não. Provavelmente é Maiakovski também. Algo que ele falaria bebendo vodka com os bolcheviques"
Sara ficou brava. Nos despedimos e eu fui embora. Chovia naquele fim de tarde. Lavavam a rua. Era dia de feira livre. Os feirantes já tinham ido embora, agora era a vez do pessoal da prefeitura limpar tudo. Toda aquela gente lavando a rua e pegando chuva enquanto muita gente trepava pela cidade. A vida pareceu ter mais sentido para mim.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
COMO ESSA PODE SER A MELHOR ÁGUA DO MUNDO?
Noite agradável no centro de São Paulo. Muita gente
aglomerada e tudo acontecendo junto e ao mesmo tempo. Estava no meio de um show
de jazz na Virada Cultural de São Paulo com um casal de amigos. O relógio
marcava uma hora da manhã. Não me importava com o horário. Eu era foda. Eu era
Gregório.
"Gregório, trouxe?"
"Trouxe"
"Ok"
O contrabaixo ditava a nossa pulsação. O
saxofonista então começou um solo que fez a gente enlouquecer. O céu estava
nublado, mas não parecia que viria chuva. Clima agradável. Nem frio nem calor. Tudo
certo. Tudo ok. Eu estava no meio de um show de jazz na Virada Cultural de São
Paulo. Eu era foda. Eu era Gregório.
O tempo passou. Não sabia mais se estava no meio de
um show de jazz na Virada Cultural de São Paulo. Eu estava sendo carregado. Eu
continuava sendo Gregório, disso eu tinha certeza. Pensei: “me tirem daqui, só
isso que quero”. Eles estavam me tirando de lá, como se lessem meus pensamentos.
Provavelmente eu falei em voz alta. Todo o trajeto me pareceu uma longa trilha
ousada e perigosa. Nós já não estávamos no meio de um show de jazz. Ouvi sons
estranhos dentro da minha cabeça. Não eram contrabaixos e nem saxofones. Entramos
em uma padaria para comer. Eu precisava comer. Comecei a associar as coisas. Talvez.
Acho que estava consciente. Acho que o relógio marcava uma hora da manhã ainda.
Eu estava com sede. Eu sabia que estava na Virada Cultural de São Paulo. Quis
falar algo, mas faltou coragem. O atendente me olhou como se xingasse
mentalmente toda a minha família e toda a minha futura família e toda a família
que eu nunca terei. Quis falar com ele, mas faltou coragem. Deram-me um misto
quente. Dei uma mordida e quis agradecer, mas não consegui. Talvez tenha
faltado coragem.
“Você 'tá melhor?”
Pensei lá na minha cabeça: “porra, estamos perdendo
o maior show de todos!”. O quão fodido eu parecia estar? Não respondi se estava
melhor ou não. Faltou coragem.
“Bebe essa água, é a melhor água do mundo”
Meu amigo estendeu o braço e me passou uma garrafa
de água mineral. Desdenhei. Pensei lá na minha cabeça mais uma vez: "como
essa pode ser a melhor água do mundo?". Se existisse uma melhor água do
mundo, certamente não estaria naquela padaria. Dei um gole. Então algo
realmente surpreendente aconteceu: eu já não estava numa padaria perto de um
show de jazz na Virada Cultural de São Paulo. Eu estava no meio de uma imensa
queda d’água, num lugar totalmente desconhecido, um céu azul, montanhas ao
fundo e eu com os braços abertos e a boca aberta e o coração aberto para toda
aquela água que caía bem em cima de mim e a água correndo pelo meu corpo e
massageando meus músculos e o meu estado de relaxamento sendo tão grande, mas
tão grande, que eu poderia até gritar - afinal, estava sozinho e relaxado o
suficiente e o grito provavelmente ecoaria e a água bateria no chão e o barulho
me acalmaria e eu teria certeza de que toda aquela sensação seria eterna. UAU!
De volta à padaria, o gole descia pela garganta. Sorri.
Quebrei o meu próprio silêncio e concordei:
“Melhor água do mundo”
Foi o meu maior ato de coragem.
sexta-feira, 10 de maio de 2013
EU ESTAVA COM ADRIANA
Sentado numa mesa de bar e esperando por Adriana. Ela não
chegava. Ela não chegaria. Eu ainda não sabia disso. Continuava na mesa de bar
esperando por Adriana. É tão desesperador ficar sozinho no bar quando se está esperando
por alguém e então essa pessoa não chega e você fica com aquela imensa cara de
bosta. Parece aqueles sonhos em que você está nu diante de uma multidão. O
olhar fica perdido e as mãos pedem por bebida ou cigarro. E quando a bebida e o
cigarro acabam fica aquele constrangimento - aquela mão sem função, mão
envergonhada, mão sem graça. Adriana não chegava.
Quando conheci Adriana, ela trabalhava como fotógrafa em um
grande jornal da cidade. Trabalhar em jornal já não dava tanto dinheiro naquela
época. Eu lhe mostrava pequenos contos, na esperança de que fossem publicados
algum dia, mas nunca tive sorte. O responsável por selecionar os contos que
eram publicados no jornal me enviava mensagens de motivação e dizia que um dia
eu conseguiria e que seguisse tentando. Adriana já era conhecida por beber
tequila sem fazer careta e por ter lido toda a obra de Tchecov. A tequila me
interessava.
Na televisão uma luta de MMA. Nunca entendi o interesse das
pessoas por isso. Urravam nas mesas e torciam fervorosamente. É sério que as
pessoas saiam das suas casas para assistir dois homens lutando na televisão?
Não faz o menor sentido. Enquanto buscava entender MMA, tentava ligar para
Adriana. Sem sucesso. Ela não chegava. Ela não chegaria. Eu ainda não sabia
disso. Então comecei a ligar para outros contatos da minha agenda telefônica.
Diversas reações. Algumas não responderam, outras - poucas - me disseram que
tudo bem, me esperariam para sair, tomar alguma coisa, jogar conversa fora, já outras
foram diretas:
"Porra, Gregório. Bebeu?"
Eu estava bebendo mesmo. Estava bebendo numa mesa de bar e
esperando por Adriana. Ela não chegava e não chegaria, mas vocês já sabem, eu não
sabia disso ainda. Eu estava me sentindo só e quanto mais buscava me conectar
às pessoas, mais depressivo ficava. Então pedi tequila ao garçom.
"Meu amigo, quem são esses dois lutando?"
"Jon Jones e Sonnen"
"Legal"
Eu gostava de Adriana. Não havia como não gostar dela. Ela tinha
o sorriso mais bonito que eu conhecia. E eu conhecia muitos sorrisos. Adriana
era especial. Porra, Adriana era a mulher da minha vida e por isso estava
sentado numa mesa de bar esperando por ela. Não esperaria outra pessoa que não
fosse ela. Ainda havia esperança. Sempre há esperança no mundo. Os Estados
Unidos da América só não explodiram essa merda toda ainda porque possuem a
esperança de que todo o mundo se curvará e lamberá as bolas do Tio Sam mais
cedo ou mais tarde. É a esperança que nos mantém vivos. E talvez nem seja tão
ruim assim lamber as bolas do Tio Sam.
Virei a tequila.
Comecei a reparar na árvore que estava do outro lado da rua. Eu
era fascinado por árvores. Em momentos de solidão são as únicas companheiras
fieis. Eu conhecia várias árvores ao redor do país. Elas ficam lá, paradas,
enraizadas, lindas, com suas cabeleiras enormes e hipnotizantes. Elas dão
oxigênio para a humanidade. Então alguns imbecis mijam nelas e jogam lixo e as desprezam.
Porra, elas exalam vida sem receber nada em troca. Por que ninguém urra e torce
por elas? Eu possuía muitas companheiras. Cada uma com o seu nome. Júlia,
Mariana, Samantha, Elisabete, Érika, Vanessa, Natália e Maria. As minhas oito
amantes.
"Quer fazer mais algum pedido?"
"Não, obrigado"
O garçom quase indo embora, quando o chamo:
"Pensando bem, quero sim! Qual é o nome dela?"
Apontei para a árvore. Linda. Cabeleira imensa. O garçom não
entendeu.
"Ela quem?"
"Ela. Não está vendo? A da cabeleira"
"A árvore?"
"Achei que já tivesse um nome"
Ele riu. Perguntou quem eu era.
"Sou um escritor"
"É mesmo? E qual é o seu nome?"
"Carlos Drummond"
"Bom... não quer mais nada?"
"Traz a conta"
Esperava Adriana, mas já não havia esperança. Honestamente,
torcia para que ela não viesse mais. O tal Jon Jones ganhava a luta na
televisão. As pessoas aplaudiam. Eu realmente nunca entenderia. Paguei a conta,
acendi um cigarro e fui até a minha nova companheira. Respirei um pouco do seu
oxigênio e encostei a palma da mão em seu caule. Estava úmida. Senti calor. Era
uma energia sobrenatural. Lembrei da energia de Adriana.
"A partir de agora você se chamará Adriana. Qualquer hora
eu volto e sei que estará me esperando"
Era bom estar com Adriana.
"Antes que eu me esqueça: sou Carlos Drummond de
Andrade"
Eu não estava sozinho. Eu estava com Adriana. Fui embora.
sexta-feira, 3 de maio de 2013
AQUELA MULHER
Estava foda viver. Eu tinha acabado de ser
despejado e não tinha para onde ir. Um casal de amigos me ofereceu a casa deles
por um tempo, até as coisas voltarem ao normal. Aceitei. Sentia vergonha. Sou
ser humano, é normal sentir vergonha. Sou menos homem por isso? Fiquei
num quarto minúsculo, com todos os meus pertences empacotados num canto.
Tudo o que eu consegui juntar na vida estava naquele quarto. Estava foda viver e por isso
eu pensava em suicídio. Todo mundo vai morrer um dia. Talvez aquele fosse o meu
momento. Que fodidos que somos, não é mesmo? A gente perde tempo com tanta
coisa. Eu sempre perdi o meu com cigarros. Eu precisava de alguma outra coisa. Cigarro
desgraça a vida. Eu estava sem casa. Todos tinham uma casa. Até os ratos
possuíam casa. Eu estava me sentindo tão pequeno quanto o meu novo quarto. Todo
mundo já pensou em morrer. Eu pensava nisso a todo momento. Sempre ficava
deprimido demais para me matar, mas agora era sério. Eu costumava acordar aos
domingos para fazer um sanduíche de mortadela e ligar para alguma prostituta.
Pedia para trazer cinco garrafas de bohemia, um marlboro vermelho e aquela
revista que eu odiava. Elas sempre traziam e enquanto fodia pensava que todo
mundo iria morrer um dia. Agora eu não tinha mais bohemia, prostituta e nem casa.
Mas continuava pensando que todo mundo morreria um dia. Morrer era a melhor
opção.
Comecei a ouvir uma banda de Cuiabá que eu gostava e
fui para a janela fumar. Fazia uma semana que eu finalmente conseguia parar de fumar,
mas estava muito foda viver. Tem dias que
a vida é um ato de coragem. Esse Hélio Flanders entendia a minha dor. Minha
mãe me ligou. Eu não contei o que estava acontecendo. Não queria que ela se
preocupasse. Eu nunca quis que ela se preocupasse. Deve ser por isso que saí de
casa aos quinze anos. Na escola eu chorava e implorava para a coordenadora não
contar para a minha mãe que eu havia feito alguma merda. Não me importava em
cair e bater a cabeça e sangrar, desde que a minha mãe não soubesse. Agi
naturalmente ao telefone. Ela nem percebeu. A gente se despediu como se tudo
estivesse bem. Não estava. O cigarro me relaxava. Ainda estava foda viver.
Uma mulher se escorou na janela da casa vizinha.
Não consegui ver seu rosto. Encarei-a e acho que ela fez o mesmo. Ela não fazia
ideia de como estava a minha vida. Ela não fazia ideia de como era foda viver.
Grande merda! Eu também não fazia ideia de como estava a vida dela. Talvez
estivesse pior. Talvez estivesse foda para ela também. Chovia fraco. Eu não
tinha mais casa. Eu só tinha um cigarro, a poesia daquelas músicas que me embalavam nos momentos depressivos e aquela mulher na janela. Pensei em
acenar, mas achei estúpido demais. Pensei em chorar. Era muito idiota fumar
aquele cigarro e olhar para aquela mulher na janela. Tão desconhecida, tão
aprisionada em seu próprio mundo, assim como eu estava aprisionado ao meu. Estávamos
próximos, mas distantes. Caio Fernando Abreu com certeza escreveria algo muito
interessante sobre isso. Eu não leria, sem dúvida. Será que a mulher da janela
gostava de Caio Fernando Abreu? E arde
mais que brasa em pele quente você olhando pra mim.
Eu queria morrer. Tive medo. A chuva ficou mais
forte. Eu não tinha coragem. Eu não conseguiria morrer. De novo. Eu sempre fui
muito medroso. Eu penso demais e isso sempre me coloca acima das emoções. A mulher ainda estava lá. Parada. O que estaria pensando? Comecei a me sentir desconfortável com a sua presença. Pensei
na minha mãe e nos meus amigos. Estava foda viver mas concluí que valia a pena.
Sou mais homem por isso? Fumei o último cigarro e fui dormir com a
certeza de que aquela mulher ainda estava na janela.
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