sexta-feira, 19 de julho de 2013

AQUELE NOSSO ROMANCE TINHA VARANDA, SUÍTE, GARAGEM PRIVATIVA E VISTA PARA O MAR, MAS COLOCAMOS NELE UMA PLACA DE ALUGA-SE

    O elevador estava quebrado. Somos tão engenhosos, mas ficamos na mão quando as nossas invenções resolvem parar de funcionar. É assim com elevadores, celulares e máquinas de refrigerante. O elevador quebrado não me deixou outra opção a não ser subir os sete andares de escada. Chegando ao fim estava sem fôlego. Acendi um cigarro, no corredor do prédio ainda, e bati no número 705. Na quarta batida ela abriu. Continuava bonita.
    “Não pode fumar aqui”
    “Mas eu sempre fumei”
    “Não pode mais. Entra”
    Entrei.
    “Dentro pode?”
    “Sim”
    Muitos abajures ligados ao mesmo tempo. Aquela luz ofuscou a minha vista, desacostumada por conta da escuridão do corredor. Sempre achei aquele prédio um edifício-fantasma. Ela apagou algumas lâmpadas. Estava morrendo de saudades daquele apartamento. Eu estava morrendo de saudades dela. Vestia uma camiseta branca do The Velvet Underground. Eu já não lembrava o motivo do nosso romance ter acabado. Não lembro se foi alguma merda que eu fiz ou se foi alguma merda que ela fez. Deve ter sido alguma merda feita pelos dois. A gente sempre fazia alguma merda. Por isso deu certo por tanto tempo. Aquela, provavelmente, estava sendo a última vez que eu pisaria naquele apartamento. Ela já havia feito a mala com as minhas roupas. As últimas roupas. As roupas que eu havia esquecido propositalmente, na esperança de um dia voltar. E deu certo. Eu estava de volta. Eu estava de volta ao apartamento que costumava ser meu. Mas era a última visita. Está aí um bom nome para um próximo conto: “A Última Visita”. Comovente.
    Nas paredes alguns quadros novos. Todos os meus já tinham ido embora da última vez. Aquele apartamento não se parecia mais com o de antigamente. O de antigamente era muito melhor. Acendi um cigarro. Ela me pediu um também. Fumamos enquanto tentávamos puxar assunto. Tão estranho. Dois seres humanos que viviam juntos, cagavam juntos, tomavam banho juntos, trepavam juntos, adoeciam juntos, agora com vergonha um do outro. É tudo muito estranho. Parecíamos desconhecidos. Eu era um intruso naquela sala. Aquela sala, que costumava ser o meu espaço, agora era um local misterioso. Transamos tanto naquela sala, mas agora não nos encostávamos. Nem mesmo podíamos dividir o mesmo cigarro, comum em outras épocas. Um cigarro para mim, outro para ela. Até o cinzeiro era separado. Cada um com o seu.
    “Então é isso”
    “Pois é”
    “E você, como está?”
    “Estou bem, obrigada”
    “Legal”
    “Continua escrevendo?”
    “É só o que faço”
    “Legal”
    “Posso usar o banheiro?”
    Fui ao banheiro. Conhecia o caminho. Precisava dar uma última mijada naquele lugar. Foram os três anos mais intensos da minha vida. A mulher que eu mais amei e odiei, ao mesmo tempo. A melhor companhia, os melhores tragos, as melhores bebedeiras. Os melhores momentos. Éramos felizes. Ela tinha uma renda fixa, mas baixa. Às vezes eu conseguia um mês recheado, às vezes nos sustentávamos apenas com o salário dela. Sempre tive empregos instáveis. Mas ela sempre entendeu. Porra, a gente se dava muito bem, o que fez a gente se separar? Eu não conseguia me lembrar. Comecei a lavar a mão na pia do banheiro. Confesso que nesse momento senti uma vontade enorme de chorar. Eu provavelmente nunca mais lavaria as mãos naquela pia. Conheceria outras pias, até melhores. Mas aquela pia, nunca mais. Acho que fiquei dois minutos lavando a mão. Voltei para a sala. Não estava mais chorando. Não quis mostrar fraqueza.
    “Então é isso”
    “Pois é”
    Peguei a mala. Tirei um cigarro do maço e o deixei ao lado de um abajur. Era o meu último presente para aquela mulher. E ela continuava bonita. Muito bonita. Olhei em seus olhos e lhe dei um forte abraço. Parti, com dor no coração. Com ele dentro da mala. E agora, o que fazer? O elevador continuava quebrado. Desci os sete andares de escada. Por incrível que pareça, a descida foi mais difícil.