Eu estava sozinho no bar. Outras pessoas estavam
acompanhadas em outras mesas, mas eu não conhecia nenhuma delas. Eu estava
sozinho. Às vezes gosto de estar sozinho no bar, sem precisar ficar criando
assunto e falando merda. O que os outros têm a dizer quase sempre não faz
sentido para mim. É tudo um monte de besteira. Eu agradeceria se o mundo
parasse de falar comigo. Pouco me importa se a pessoa já fumou maconha com o
Bob Dylan ou se já comeu o David Bowie. Eu realmente não me importo. A vida não
pode se resumir a fazer coisas loucas para ter assunto. Não é esse o mundo em
que eu quero viver. Por isso eu estava sozinho no bar. Nada me interessava. Fazia
frio. Estávamos em julho e fazia muito frio naquela cidade. Caos urbano com
seus ruídos e seus muros grafitados. Era o lado B da cidade. Buzinas, puteiros,
garrafas de cerveja quebrando no fundo dos bares e muita vida acontecendo. Semáforos.
Borrões multicores. Vermelho, amarelo e verde. Que viagem! Comecei a escrever
num bloco de notas que eu levava no bolso. Um colega passou na rua e me cumprimentou
de longe. Acho que eu estava com cara de poucos amigos, porque ele se afastou
rapidamente. Borrão vermelho para os carros. Você percebe que a cidade está
fria quando o brilho do semáforo não te emociona mais. Eu costumava me
emocionar. Eu estava tão nostálgico. Mas a cidade já não era a mesma.
Antigamente eu me emocionava. Agora, bebo sozinho. Acho que perdi a esperança
no ser humano.
“Tem Dreher?”
“Tem sim, senhor”
“Desce um então”
O porquê de ter falado “desce um” era um mistério,
afinal, eu odiava essa expressão. O garçom correu para dentro da espelunca
providenciar a minha bebida. Gostava daquele lugar. Olhei para o bloco de notas
e li as frases que nele estavam: “foi num rolê na Rua Augusta que perdi a
esperança no ser humano”, “e se o mundo fosse um filme do Tarantino estrelado
por mim?” e “acho que estou acabando com a minha vida, mas tudo bem, quem se
importa, etc e tal”. Eram títulos de contos que provavelmente nunca seriam
escritos. Às vezes um escritor só possui o título, mas nunca o conto em si. Às
vezes nem isso. Se eu não fosse escritor eu provavelmente seria um sucesso.
Minha mãe sempre me dizia que o mundo era difícil, mas eu era imbecil demais para
acreditar. Eu estava sozinho no bar tentando ser genial. Inocente.
"O Dreher, senhor"
Vi um borrão amarelo enquanto bebia um gole. Sem
chance, a emoção não voltaria. Não se fazem mais semáforos como antigamente.
Talvez eu devesse largar tudo. Se eu fingisse ser louco não causaria tantos
problemas. Certamente seria internado e receberia tratamento gratuito do
governo. Que merda eu fui fazer da minha vida? Eu poderia estar trabalhando no
Terraço Itália, apenas repetindo a frase decorada “boa noite, senhor, seja bem
vindo, quer conferir o menu? Estou aqui para serví-lo, monsier”. Talvez eu
tivesse que fazer a barba. Tudo pelo ofício! Mas que merda, eu não serviria para isso. Bom
mesmo era tentar se emocionar com o brilho do semáforo e beber sozinho. Assim
eu era feliz. Existia amor em SP.
Pensei em ir para a Praça Roosevelt e procurar por
Mário Bortolotto para que ele lesse um dos meus contos, sei lá, para ver se eu
levava jeito e se poderia continuar na área, mas eu provavelmente ouviria um
“vai se foder, cara, ficarei feliz de não encontrá-lo nos próximos 256 anos”. Então
eu daria um soco bem no meio da testa dele. Ou talvez ele tomaria um Dreher comigo
e ficaríamos em paz. Nunca se sabe. O Bortolotto deve ser um cara legal e eu
adoraria ouvir ele dizendo que já fumou maconha com Bob Dylan ou que já comeu o
David Bowie. Talvez o brilho do semáforo da Roosevelt fosse mais emocionante. Mas
não fui para a Roosevelt. Eu continuava sozinho. Como eu adorava estar sozinho.
Sentia tesão mesmo.
“Tem cigarro?”
“Tem sim, senhor”
“Marlboro?
“Sim, senhor”
“Desce um então”
Cigarro aceso. O borrão verde e amarelo e vermelho
começou a se misturar com a iluminação da rua. Era um mix de semáforo com
carros e motos e puteiros. A calçada suja, típica daquele submundo em que eu
estava. O cheiro de vômito. Quanta emoção. Era quase um orgasmo. Que merda não
conseguir escrever sobre aquilo. A vista embaçada. Então vi Mário Bortolotto
atravessando a rua. Borrão verde para os carros. Perigo! Ele correu para chegar
ao outro lado e não ser atropelado. Segundos de suspense. Conseguiu. Que cara
ousado! Voltei a ter esperança no ser humano naquele momento. Ninguém se
importava. Mas se o mundo fosse um filme do Tarantino estrelado por mim se
importariam. Do contrário, levariam um tiro na cabeça. O semáforo me emocionou.
O que mudou? O brilho do semáforo ou o que passei a ver graças a luz emitida
por ele? Mandei descer outro Dreher.