sexta-feira, 19 de abril de 2013

FOI NUM ROLÊ NA RUA AUGUSTA QUE PERDI A ESPERANÇA NO SER HUMANO


Eu estava sozinho no bar. Outras pessoas estavam acompanhadas em outras mesas, mas eu não conhecia nenhuma delas. Eu estava sozinho. Às vezes gosto de estar sozinho no bar, sem precisar ficar criando assunto e falando merda. O que os outros têm a dizer quase sempre não faz sentido para mim. É tudo um monte de besteira. Eu agradeceria se o mundo parasse de falar comigo. Pouco me importa se a pessoa já fumou maconha com o Bob Dylan ou se já comeu o David Bowie. Eu realmente não me importo. A vida não pode se resumir a fazer coisas loucas para ter assunto. Não é esse o mundo em que eu quero viver. Por isso eu estava sozinho no bar. Nada me interessava. Fazia frio. Estávamos em julho e fazia muito frio naquela cidade. Caos urbano com seus ruídos e seus muros grafitados. Era o lado B da cidade. Buzinas, puteiros, garrafas de cerveja quebrando no fundo dos bares e muita vida acontecendo. Semáforos. Borrões multicores. Vermelho, amarelo e verde. Que viagem! Comecei a escrever num bloco de notas que eu levava no bolso. Um colega passou na rua e me cumprimentou de longe. Acho que eu estava com cara de poucos amigos, porque ele se afastou rapidamente. Borrão vermelho para os carros. Você percebe que a cidade está fria quando o brilho do semáforo não te emociona mais. Eu costumava me emocionar. Eu estava tão nostálgico. Mas a cidade já não era a mesma. Antigamente eu me emocionava. Agora, bebo sozinho. Acho que perdi a esperança no ser humano.
“Tem Dreher?”
“Tem sim, senhor”
“Desce um então”
O porquê de ter falado “desce um” era um mistério, afinal, eu odiava essa expressão. O garçom correu para dentro da espelunca providenciar a minha bebida. Gostava daquele lugar. Olhei para o bloco de notas e li as frases que nele estavam: “foi num rolê na Rua Augusta que perdi a esperança no ser humano”, “e se o mundo fosse um filme do Tarantino estrelado por mim?” e “acho que estou acabando com a minha vida, mas tudo bem, quem se importa, etc e tal”. Eram títulos de contos que provavelmente nunca seriam escritos. Às vezes um escritor só possui o título, mas nunca o conto em si. Às vezes nem isso. Se eu não fosse escritor eu provavelmente seria um sucesso. Minha mãe sempre me dizia que o mundo era difícil, mas eu era imbecil demais para acreditar. Eu estava sozinho no bar tentando ser genial. Inocente.
"O Dreher, senhor"
Vi um borrão amarelo enquanto bebia um gole. Sem chance, a emoção não voltaria. Não se fazem mais semáforos como antigamente. Talvez eu devesse largar tudo. Se eu fingisse ser louco não causaria tantos problemas. Certamente seria internado e receberia tratamento gratuito do governo. Que merda eu fui fazer da minha vida? Eu poderia estar trabalhando no Terraço Itália, apenas repetindo a frase decorada “boa noite, senhor, seja bem vindo, quer conferir o menu? Estou aqui para serví-lo, monsier”. Talvez eu tivesse que fazer a barba. Tudo pelo ofício! Mas que merda, eu não serviria para isso. Bom mesmo era tentar se emocionar com o brilho do semáforo e beber sozinho. Assim eu era feliz. Existia amor em SP.
Pensei em ir para a Praça Roosevelt e procurar por Mário Bortolotto para que ele lesse um dos meus contos, sei lá, para ver se eu levava jeito e se poderia continuar na área, mas eu provavelmente ouviria um “vai se foder, cara, ficarei feliz de não encontrá-lo nos próximos 256 anos”. Então eu daria um soco bem no meio da testa dele. Ou talvez ele tomaria um Dreher comigo e ficaríamos em paz. Nunca se sabe. O Bortolotto deve ser um cara legal e eu adoraria ouvir ele dizendo que já fumou maconha com Bob Dylan ou que já comeu o David Bowie. Talvez o brilho do semáforo da Roosevelt fosse mais emocionante. Mas não fui para a Roosevelt. Eu continuava sozinho. Como eu adorava estar sozinho. Sentia tesão mesmo.
“Tem cigarro?”
“Tem sim, senhor”
“Marlboro?
“Sim, senhor”
“Desce um então”
Cigarro aceso. O borrão verde e amarelo e vermelho começou a se misturar com a iluminação da rua. Era um mix de semáforo com carros e motos e puteiros. A calçada suja, típica daquele submundo em que eu estava. O cheiro de vômito. Quanta emoção. Era quase um orgasmo. Que merda não conseguir escrever sobre aquilo. A vista embaçada. Então vi Mário Bortolotto atravessando a rua. Borrão verde para os carros. Perigo! Ele correu para chegar ao outro lado e não ser atropelado. Segundos de suspense. Conseguiu. Que cara ousado! Voltei a ter esperança no ser humano naquele momento. Ninguém se importava. Mas se o mundo fosse um filme do Tarantino estrelado por mim se importariam. Do contrário, levariam um tiro na cabeça. O semáforo me emocionou. O que mudou? O brilho do semáforo ou o que passei a ver graças a luz emitida por ele? Mandei descer outro Dreher.